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A pobre Barbie está no centro de uma grande disputa geopolítica

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O governo do Vietnã proibiu a exibição do live action “Barbie”. Parece brincadeira, mas a decisão dos vietnamitas é para valer e coloca a boneca no centro de uma disputa geopolítica que tem grande potencial de um dia vir a se tornar uma guerra daquelas. O filme que trata da incursão da boneca no mundo real mostra, em uma de suas cenas, um mapa com uma linha pontilhada que avança desde a China por uma vasta área sobre o mar, aparentemente validando as pretensões de Pequim de tomar para si o controle sobre áreas atualmente em litígio com Filipinas, Taiwan, Malásia, Brunei e, evidentemente, o Vietnã.

A chamada “linha dos nove traços”, ou a “linha da língua de vaca”, como os vietnamitas preferem chamar, cobre 90% da área do Mar do Sul da China e é o centro de uma disputa da China com os vizinhos que só não desandou ainda devido à presença massiva e ostensiva da Marinha dos Estados Unidos na região. Presença, esta, que a China cada vez mais rejeita e se tornou um ponto de fricção entre as duas potências.

Não é possível afirmar que a produção britânico-americana tenha usado o mapa pró-China de maneira deliberada. A Warner Bros. jura que não houve premeditação ou posicionamento político. E parece ter sido um acidente mesmo. Visto friamente, o mapa é uma concepção quase surrealista que aparece desenhada a giz e com traços infantis que mostra uma linha pontilhada, que nada lembra a “língua de vaca” exatamente onde é o foco das tensões.

A reação dos
vietnamitas pode ter sido exagerada, mas ela deve ser vista em contexto. A
China tem obtido conquistas relevantes na exportação de sua versão sobre os
temas de seus interesses, por meio da pressão que exerce pelo peso de seu
mercado. Ninguém quer causar a menor irritação nos ânimos do Partido Comunista
Chinês e, com isso, perder a chance de embolsar muita grana por lá.

Em 2020, o pré-lançamento de “Top Gun Maverick” causou polêmica pelo fato de a imagem da bandeira de Taiwan ter desaparecido da jaqueta do protagonista da história, vivido pelo ator Tom Cruise. Dois anos depois, o filme foi lançado, com a bandeira de volta, mas em um único relance. Depois disso, quem desapareceu foi a jaqueta inteira, para evitar novas tensões.

Têm sido recorrentes as pressões chinesas sobre a indústria de entretenimento. Em 2022, o turco-suíço Enes Kanter Freedom (este último sobrenome adotado depois de sua naturalização americana) foi suspenso e depois forçado a deixar sua carreira na NBA. Ele se tornou incômodo por fazer manifestações públicas contra o regime e por usar tênis com pinturas de protesto denunciando as violações dos direitos humanos dos uigures.

Pouco antes da
eclosão da pandemia de Covid-19, a animação “South Park”, em um episódio-protesto
contra o seu banimento na China, fez uma crítica feroz à indústria de
entretenimento, que tem cedido aos caprichos do Partido Comunista Chinês. Os
líderes do PC chinês nem puderam se esconder atrás da desculpa do sentimento
anti-China que eles usaram de escudo para se proteger de qualquer crítica.
Apenas dobraram a aposta, mantendo as restrições a tudo e todos que
contrariavam os interesses do partido.

A tal linha dos “nove traços” aparece claramente na animação sino-americana “O Abominável” e causou indignação na região. A Malásia chegou a exigir a supressão da cena. Uma produção australiana da Netflix, “Pine Gap”, deixou de ser exibida nas Filipinas depois dos protestos pela aparição de um mapa favorável às ambições imperialistas chinesas. Em ambos os casos, os mapas não deixam dúvidas sobre o alinhamento com Pequim.

A Corte
Permanente de Arbitragem da Haia já se pronunciou sobre as demandas
territoriais chinesas. Em 2016, a corte julgou improcedentes as reivindicações
de Pequim. Mas o PC chinês simplesmente a ignora. Edita seus mapas e ensina
seus estudantes que as “nove linhas” demarcam o que é da China por direito.

Uma guerra pelo domínio do Mar do Sul da China parece ser uma questão de tempo. Tensões provocadas pela inocente Barbie são o indicador de que nem a China, nem os seus vizinhos estão dispostos a recuar na defesa do que eles consideram ser deles por direito. Bem-vinda ao mundo real, Barbie.



FONTE: Gazeta do Povo