Em julho, o regime comunista chinês, liderado pelo ditador Xi Jinping, oficializou a destituição do ministro das Relações Exteriores, Qin Gang, que está sumido dos holofotes desde junho. Ele foi substituído por Wang Yi, que havia sido seu antecessor.
Os chineses não deram motivos específicos para a demissão do ministro, mas ela ocorreu logo após as visitas ao país do secretário de Estado americano, Antony Blinken, e da secretária do Tesouro, Janet Yellen.
Além deles, a China também
recebeu em julho a visita de Henry Kissinger, influente ex-diplomata americano
que foi extremamente bem recebido por Xi na potência asiática.
Qin havia assumido o cargo há sete meses com a missão de melhorar as relações da China com os Estados Unidos e outros países. Apesar da “nobre missão”, ele chegou a dar duras declarações contra os americanos enquanto estava no cargo. Uma delas ocorreu em março deste ano, quando disse que “se os Estados Unidos não pisarem no freio e continuarem no caminho errado, nenhuma grade de proteção será suficiente para impedir que o trem descarrile e bata”, fazendo uma clara referência a um eventual confronto entre os chineses e os americanos.
A fala de Qin, reconhecido
também por ser um nacionalista chinês, ocorreu em meio a uma troca de acusações
entre os dois países sobre espionagem e a autonomia de Taiwan.
Por ora, não está claro se o agora ex-ministro está enfrentando algum processo disciplinar dentro do Partido Comunista Chinês (PCCh), pois, sob o comando de Xi Jinping, os comunistas evitam divulgar informações precisas sobre o que ocorre com seus membros.
À Reuters, o professor associado de ciência política da Universidade Nacional de Singapura Ja Ian Chong afirmou que “a falta de uma explicação” sobre o sumiço de Qin Gang “abre mais perguntas do que fornece respostas”.
Chong lembrou que tanto o desaparecimento quanto a destituição do ex-ministro demonstram “a opacidade e a imprevisibilidade” e até mesmo “a arbitrariedade do sistema político atual” que vigora na China.
Mas Qin Gang não é o primeiro – e provavelmente não será o último – indivíduo influente a sumir de forma misteriosa na China. A verdade é que, nos últimos anos, o país asiático tem chamado a atenção do mundo pelo seu histórico de desaparecimentos que alcançam membros do regime comunista, do setor empresarial e até mesmo celebridades do meio esportivo e artístico.
Em muitos casos, esses sumiços não são explicados ou confirmados pelas autoridades e geram especulações sobre os bastidores do poder na segunda maior economia do mundo. A seguir, apresentaremos os casos de algumas pessoas, que, assim como Qin Gang, desapareceram da vida pública por algumas semanas, meses e até mesmo para sempre.
Li Yuchao e Liu Guangbin
O general e comandante da Força de Foguetes do Exército Popular de Libertação, Li Yuchao, e também o seu vice-general, Liu Guangbin, desapareceram dos holofotes há vários meses. Segundo especialistas, o sumiço dos dois generais pode estar relacionado a um esforço do regime chinês em reprimir a corrupção e impor a disciplina no Partido Comunista.
Eles foram substituídos neste mês por Wang Houbin, que será o novo comandante da Força de Foguetes, e por Xu Xisheng, que será o novo vice-general. O sumiço dos dois militares segue sem explicação e ocorre no mês seguinte à destituição de Qin Gang.
Ren Zhiqiang
Ren Zhiqiang é um magnata do setor imobiliário e crítico do regime comunista chinês. Ele desapareceu em março de 2020, depois de chamar o ditador Xi Jinping de “palhaço nu, que ainda quer ser o imperador”. Ele se referiu a Xi dessa forma em um texto em que criticava o secretário-geral do Partido Comunista por sua gestão e desempenho durante a pandemia de Covid-19.
Em setembro do mesmo ano, ainda “desaparecido”, Ren foi condenado a 18 anos de prisão por supostamente estar envolvido em crimes de corrupção. Segundo as autoridades chinesas, ele “teria confessado voluntariamente seus crimes”.
Jack Ma
Ma é conhecido por ser o fundador do Grupo Alibaba, empresa
chinesa dona do famoso site de comércio online Aliexpress, e também por ser a pessoa
mais rica da China. Ele desapareceu em outubro de 2020, dias após criticar as
autoridades regulatórias do país. Ma reapareceu em janeiro de 2021, em um vídeo
curto e sem dar maiores informações sobre o seu sumiço.
Desde o ocorrido, ele tem adotado um perfil mais contido. No começo deste ano, após quase três anos sem aparecer de forma constante, Ma foi visto no Japão, exercendo o posto de professor visitante de pesquisas sobre agricultura sustentável e produção de alimentos na Tokyo College.
Xiao Jianhua
Xiao Jianhua é um empresário sino-canadense e um dos homens mais ricos da China. Ele foi detido em um hotel de luxo no território autônomo de Hong Kong em janeiro de 2017 e desde então desapareceu.
Xiao era suspeito de estar envolvido em um escândalo financeiro que teria abalado o Partido Comunista. Em 2022, foi noticiado que ele havia sido condenado a 13 anos de prisão por supostamente estar envolvido em casos de corrupção.
Guo Guangchang
Guo Guangchang é o presidente do conglomerado Fosun International. Ele simplesmente desapareceu em dezembro de 2015. Na época de seu sumiço, sua empresa anunciou que ele estava cooperando com as autoridades chinesas em uma investigação, que não teve detalhes divulgados. Guo Guangchang reapareceu alguns dias depois, sem dar mais informações sobre o que realmente havia acontecido com ele.
Fan Bingbing
Fan Bingbing é uma das atrizes mais famosas e mais bem pagas da China e também uma estrela internacional. Ela desapareceu em julho de 2018, após ser alvo de uma investigação por sonegação fiscal. Fan reapareceu em outubro do mesmo ano, pedindo desculpas ao público e aceitando pagar uma multa milionária ao regime chinês. Somente cerca de um ano depois de seu desaparecimento ela voltou novamente às atividades.
Meng Hongwei
Meng Hongwei é ex-presidente da Interpol e ex-vice-ministro da Segurança Pública da China. Ele desapareceu em setembro de 2018, quando viajou da França para o país asiático. Sua esposa denunciou seu sumiço à polícia francesa dias depois e disse ter recebido uma mensagem dele com um emoji de faca.
Em outubro do mesmo ano, a Interpol anunciou que Meng havia renunciado ao seu cargo de presidente, no qual deveria ficar até 2020. Em janeiro de 2020, ainda sem dar novas notícias, ele foi condenado a 13 anos e meio de prisão por supostamente estar envolvido em esquemas de corrupção. O regime chinês noticiou, por meio do tribunal que o condenou, que ele havia “admitido sua culpa”.
A esposa de Meng Hongwei, Grace Meng, está exilada na França desde o seu sumiço. Ela deu uma entrevista meses após ser noticiado que o marido havia sido condenado, afirmando que os motivos que o levaram à prisão foram forjados e que ele estava sendo vítima de perseguição. Grace também revelou que temia pela sua vida e de seus filhos.
Peng Shuai
Peng Shuai é uma das melhores tenistas da China e ex-número 1 do mundo em duplas. Ela desapareceu em novembro de 2021, depois de acusar o ex-vice-premiê do regime chinês, Zhang Gaoli, de abuso sexual.
Ela publicou um longo texto em uma rede social, relatando que teve um relacionamento extraconjugal com Zhang por vários anos e que, após o rompimento, ele tentou forçá-la a ter relações sexuais com ele contra a sua vontade.
Poucas horas depois de ser publicado, o texto foi apagado das redes e Peng não foi mais vista pelo público desde então. Zhang Gaoli nunca comentou o caso; no ano passado, ele esteve presente no 20º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês.
Em dezembro de 2021, Peng Shuai
até reapareceu em alguns vídeos e fotos, mas muitos internautas questionaram a
autenticidade das imagens e se ela realmente estaria bem.
Sun Dawu
Sun Dawu é um empresário do setor agrícola chinês e ativista social, que desapareceu em novembro de 2020, depois de ser preso junto com membros da sua família e alguns de seus funcionários. Sun era acusado pelo regime de estar envolvido em vários crimes, como sabotar a produção nacional, obstruir a administração pública e provocar brigas.
Em julho de 2021, foi
noticiado que ele havia sido condenado a 18 anos de prisão por “provocar
problemas”. Sun era conhecido por suas críticas ao regime chinês e por seu
apoio aos movimentos democráticos na China.
Fang Fenghui
Fang Fenghui é um ex-chefe do Estado-Maior do Exército Popular de Libertação da China. Ele desapareceu misteriosamente em agosto de 2017, depois de ser destituído de seu cargo.
Fang era suspeito de estar envolvido em um esquema de “dinheiro por patentes”, que corrompia as promoções militares. Em fevereiro de 2019, ele foi condenado à prisão perpétua por corrupção e desde então nunca mais foi visto publicamente.
Zhang Yang
Era um general e também ex-diretor do departamento político do Exército Popular de Libertação da China, que desapareceu em agosto de 2017, junto com Fang Fenghui. Ele era investigado por corrupção e “violação da disciplina partidária”. Em novembro de 2017, ele foi encontrado morto em sua casa; as autoridades chinesas alegaram que ele tinha cometido suicídio.
Jiang Jiemin
É um ex-diretor da Comissão Estatal de Supervisão e Administração dos Ativos das Empresas Estatais da China. Jiang desapareceu sem maiores explicações em setembro de 2013.
Ele era um dos principais aliados de Zhou Yongkang, influente político chinês que também foi expulso do PCCh em 2014, e estava envolvido também em assuntos relacionados ao setor petrolífero da China. Em outubro de 2014, foi noticiado que ele havia sido expulso do PCCh e estava sendo acusado de corrupção. Um ano depois, em outubro de 2015, ele foi condenado à prisão perpétua.
Zhao Wei
Zhao Wei é uma bilionária atriz chinesa, conhecida por ter participado de diversos filmes asiáticos e por possuir uma legião de fã-clubes espalhados pela China. A artista desapareceu sem dar nenhuma explicação em agosto de 2021 e não foi mais vista publicamente desde então.
Junto com o seu sumiço, todos os seus trabalhos, incluindo filmes e propagandas, foram removidos da mídia chinesa, inclusive de espaços na internet e serviços de streaming.
No mês em que desapareceu, o site The Hollywood Reporter noticiou que Zhao Wei havia recebido uma multa milionária do regime chinês. As ações contra ela, segundo o site, faziam parte de uma série de iniciativas que o regime comunista estava tomando contra membros da indústria do entretenimento chinês que “alimentavam” os “excessos da cultura de fãs de celebridades”.
Ai Weiwei
Ai Weiwei é conhecido por suas críticas direcionadas ao regime chinês, especialmente no que diz respeito à democracia e à liberdade de expressão no país. Sua coragem em se manifestar contra o regime resultou em seu desaparecimento em 2011, depois de ser detido pela polícia chinesa e passar quase três meses encarcerado. Durante determinado período, ele também teve seu passaporte confiscado pelo regime.
Ai Weiwei foi um dos poucos chineses influentes que decidiram contar sua história logo depois de sair da China. Em 2015, o artista chamou atenção ao ocupar os espaços centrais da Royal Academy of Arts, em Londres, com uma instalação que recriava a experiência sufocante durante o período de sua detenção pelo regime chinês. A obra retratava guardas supervisionando todos os aspectos de sua rotina, desde as atividades mais básicas, como dormir e comer, até os momentos mais privados, como banho e higiene pessoal.
Consolidação do poder
Os desaparecimentos, como os que ocorreram com as figuras públicas acima, têm sido interpretados por analistas como uma forma de Xi Jinping consolidar seu controle sobre a economia e a sociedade da China, eliminando potenciais rivais ou dissidentes. Além disso, alguns deles também podem ser vítimas do chamado “grande expurgo de Xi”, que vem ocorrendo nos últimos anos dentro do Partido Comunista Chinês.
Outros especialistas também veem uma relação entre os desaparecimentos repentinos e as reformas regulatórias que o regime chinês tem implementado nos últimos anos, visando aumentar a supervisão sobre os setores financeiro e tecnológico.
As autoridades chinesas raramente divulgam informações sobre os motivos e os métodos desses desaparecimentos, deixando muitas perguntas sem resposta. Além disso, eles não se limitam somente a bilionários, políticos ou figuras públicas: ativistas, jornalistas, advogados e cidadãos comuns também têm sido alvo de detenções arbitrárias ou desaparecimentos forçados na China por apenas se manifestarem contra o regime ou defenderem os direitos humanos.
Sobre Qin Gang, alguns analistas sugerem que ele pode ter sido punido por motivos políticos ou por causa de um escândalo pessoal. No entanto, não há nenhuma confirmação oficial sobre o que realmente aconteceu com ele. Especialistas também afirmam que a remoção de Qin do cargo de ministro pode acabar não gerando um impacto significativo na política externa chinesa, já que atualmente ela é guiada e pautada pelo ditador Xi Jinping.
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