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Fim da “Onda Rosa”? Esquerda acumula derrotas na América do Sul

Fim da “Onda Rosa”? Esquerda acumula derrotas eleitorais na América do Sul após ciclo de vitórias

A vitória de Javier Milei no segundo turno da eleição presidencial argentina, no último domingo (19), não representou apenas o fim da hegemonia peronista, que havia vencido quatro das cinco disputas anteriores para a Casa Rosada: também aprofundou a crise da chamada “Onda Rosa”.

O termo designou a onda de vitórias da esquerda nas eleições
presidenciais na América do Sul, semelhante à que havia ocorrido nos anos 2000.

Candidatos de esquerda venceram quatro eleições
presidenciais sul-americanas seguidas: Pedro Castillo, no Peru, e Gabriel
Boric, no Chile, em 2021; e Gustavo Petro, na Colômbia, e Luiz Inácio Lula da
Silva, no Brasil, em 2022.

Agora, o barco político na região parece estar tomando a
direção contrária, já que este ano a esquerda perdeu as três eleições
presidenciais realizadas na América do Sul. Santiago Peña foi eleito no
Paraguai, Daniel Noboa (que toma posse na quinta-feira, 23), no Equador, e agora,
Milei, na Argentina.

Um ponto a ser destacado é que, nos dois primeiros países, a
esquerda já não governava, enquanto na Argentina houve uma “virada”.

Depois da “Onda Rosa”, a onda de rejeição

Além dessas derrotas eleitorais, a situação está complicada
para presidentes esquerdistas eleitos nos últimos anos na América do Sul. Pedro
Castillo foi destituído e preso no final de 2022, após tentar dar um golpe de
Estado.

No Chile, diante da crise econômica e de segurança, o
governo Boric é desaprovado por 57% da população e colhe derrotas eleitorais.

Em setembro do ano passado, os chilenos rejeitaram de forma
acachapante (mais de 60% dos votos) uma nova proposta de Constituição para o
país, redigida por uma assembleia constituinte de maioria esquerdista eleita
antes de Boric, mas cujo texto o presidente apoiava.

O projeto foi criticado como “excessivamente progressista”
por conter medidas como a ampliação dos gastos do Estado (na criação de
sistemas nacionais de previdência social e de saúde, por exemplo) sem detalhar
de onde viriam os recursos para custear isso, tratamento jurídico diferenciado
aos povos nativos chilenos e previsão constitucional para o aborto.

Em maio deste ano, uma nova constituinte, desta vez formada na sua maioria por nomes de direita e centro-direita, foi eleita. Nas duas votações, o resultado foi considerado um referendo sobre a gestão Boric. A nova proposta, elaborada nos últimos meses, irá a referendo em 17 de dezembro.

Na Colômbia, o governo Petro tem 66% de desaprovação. Além da resistência de grande parte da população às reformas propostas pelo presidente e suas negociações de paz com grupos guerrilheiros, ele sofre o desgaste das acusações de financiamento ilegal da sua campanha, que levaram um de seus filhos para a prisão. Em outubro, os candidatos por ele apoiados sofreram grandes derrotas nas eleições regionais colombianas.

Na Argentina, um prenúncio da queda do peronismo ocorreu em
dezembro do ano passado, quando a vice-presidente Cristina Kirchner foi
condenada a seis anos de prisão e inabilitação perpétua para o exercício de
cargos públicos por corrupção.

O peronismo, cujo candidato era Sergio Massa, fracassou nas
urnas no último domingo após agravar a crise econômica argentina: a pobreza
hoje atinge 40% da população, a inflação em outubro ficou em 142,7% no patamar
interanual e o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta que o país terá em
2023 a sexta retração do PIB em dez anos.

“Esquerdas não conseguem proporcionar algo novo”, diz
analista

Ricardo Bruno Boff, professor do curso de relações
internacionais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), apontou que, ao
contrário do que ocorreu na onda de governos neoliberais dos anos 1990 e depois
de esquerda nos anos 2000, hoje não há uma tendência predominante na política
sul-americana, o que faz com que governos com pontos de vista divergentes se
alternem.

“[Observamos] uma crise econômica mais geral e o mundo em
transição de poder, ou seja, a ascensão da Ásia, da China, e uma diminuição
relativa do poder dos Estados Unidos e da Europa, isso gera incerteza e a gente
passa por um processo em que as pessoas estão apostando muito no novo. Estão
buscando o outsider. Na Argentina, como foi no Brasil com o Bolsonaro, é o
sujeito à direita. Na Colômbia e no México, foram presidentes à esquerda”,
disse Boff.

O especialista afirmou que a primeira “Onda Rosa” foi
beneficiada por um período de grande crescimento da China, alta das commodities
e euforia econômica, “o que possibilitou às esquerdas fazer uma coisa que lhe é
muito cara: política social”.

Porém, isso se esgotou na medida em que essas gestões não
conseguiram promover grande diversificação econômica, o que gerou efeitos que
alcançam os novos governos de esquerda.

“Quando a onda econômica internacional baixa, os programas
sociais são afetados, porque as estruturas continuam as mesmas. Junto com isso,
vêm as questões de desgaste, corrupção… As esquerdas não conseguem
proporcionar algo novo e voltam ao poder com o mesmo problema. Querem repetir
políticas sociais, mas não têm uma base econômica para fazer isso”, disse Boff.

“Muitas vezes, voltam ao poder fragilizadas, porque a
direita cresceu. O Lula, por exemplo, não tem a maioria tranquila que tinha no
Congresso [nos seus dois primeiros mandatos]”, afirmou o analista.

Boff acrescentou que o foco em pautas identitárias também acaba desgastando a esquerda sul-americana. “Isso aconteceu na constituinte do Chile [do texto rejeitado em 2022]: eles se fixaram muito na discussão de direitos indígenas e legalização do aborto e isso afastou o eleitor médio do Chile, que estava preocupado com temas mais gerais”, argumentou.

FONTE: Gazeta do Povo