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Vitória de Milei joga pá de cal no plano universalista da esquerda latina

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A vitória do libertário Javier Milei na eleição presidencial da Argentina tem movimentado o cenário político dentro e fora do país, três dias após a derrota do peronismo.

Desde o domingo (19), quando os resultados foram divulgados e Sergio Massa admitiu o fracasso eleitoral, diversas lideranças de esquerda da América Latina se manifestaram sobre a ascensão do economista da pequena coalizão A Liberdade Avança à Casa Rosada a partir do dia 10 de dezembro.

O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, foi um dos primeiros a reagir à vitória do libertário na rede social X, parabenizando as “instituições argentinas pela condução do processo eleitoral e ao povo argentino” e desejando “boa sorte e êxito ao novo governo”, apesar de não ter citado o nome de Milei.

O presidente esquerdista da Colômbia, Gustavo Petro, lamentou o resultado, considerando-o uma “triste notícia para a América Latina”.

“A extrema direita ganhou na Argentina, é a decisão da sua sociedade. Triste para a América Latina. O neoliberalismo já não tem uma proposta para a sociedade, não pode responder aos problemas atuais da humanidade. Milei nos leva de volta a Pinochet e Videla”, disse Petro.

O presidente da Bolívia, Luis Arce, desejou “sucesso” ao libertário, enquanto o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, fez duras críticas ao novo chefe da Casa Rosada, classificando-o como parte de um projeto da “direita neonazista”.

“A esquerda latina não esperava essa vitória. Então, quando Milei vence as eleições argentinas, ele joga uma pá de cal na visão universalista dos países governados pela esquerda na América Latina, que ainda têm resquícios do stalinismo, tornando mais difícil o plano de transformar a região em um só bloco, como desejam”, explicou o analista de riscos e major da reserva do Exército Nelson Ricardo Fernandes Silva.

Segundo o especialista em geopolítica, a cultura política latino-americana se diferencia das demais, como, por exemplo, a europeia, por não ser relacionada a grandes instituições, mas sim a grandes personalidades.

“Então, criam-se mitos e isso não funciona na prática para dar um novo rumo ao país”, afirmou Silva, ao citar lideranças da Argentina como Juan Domingo Perón, pai do peronismo defendido por Massa, Alberto Fernández, Néstor e Cristina Kirchner.

Em uma entrevista no início do mês, Milei disse que não vai manter relações comerciais com “ditaduras” e “comunistas”, citando Brasil e China. O presidente eleito chamou o petista de “corrupto” e declarou abertamente que não se encontraria com ele para negociações, mas Silva acredita que a realidade será outra.

“Atualmente, nós temos muitas relações entre Brasil e Argentina por conta do Mercosul, o que gerou uma interdependência. Apenas cortar essa parceria abruptamente é praticamente impossível, em termos técnicos, porque alguns impactos seriam muito grandes, além dos problemas jurídicos que causaria. Isso geraria um impacto estimado de 2 milhões de desempregados na Argentina, por exemplo, o que colocaria o país já quebrado em uma situação ainda mais vulnerável”, afirmou Silva.

Para o especialista, o que deve acontecer a partir da posse de Milei é que “haverá um desinteresse muito grande do novo governo argentino em fazer negócios com o Brasil”. Para o analista, o libertário vai tentar diversificar os negócios com outros países, aumentar as exportações e explorar as reservas de lítio encontradas na Argentina.

“Portanto, acho que os dois países vão ficar ‘puxando o freio de mão’ para não ter relações econômicas. A tendência será de não estimular novas relações, mas as que já existem, devem permanecer”, disse.

Desde que assumiu novamente o cargo de presidente do Brasil, Lula vem defendendo um discurso de maior integração latino-americana. À Agência Brasil, o professor de Relações Internacionais e Economia da Universidade Federal do ABC (UFABC), Giorgio Romano, afirmou que a vitória de Milei na Argentina pode virar um percalço para a proposta do petista.

“Essa ideia de fortalecer a inserção brasileira no mundo por meio de uma integração latino-americana deve ser prejudicada pelo novo governo eleito na Argentina, devido à postura do novo presidente do país”, alertou Romano.

Um obstáculo para as propostas de Milei é o Congresso argentino, onde ele vai somar apenas sete senadores e 37 deputados da sua coalizão.

“Vejo que Milei vai deixar claro seu posicionamento e propostas, mas não deve fechar as portas para o Brasil, China ou qualquer outro país com quem tenha acordos comerciais, visto que essas medidas desejadas por ele precisam passar pelo Congresso, onde ele está muito longe de ter um apoio da maioria”, disse Silva.

FONTE: Gazeta do Povo