Javier Milei confirmou que seu governo está trabalhando no lançamento de vouchers educacionais cujo objetivo é ajudar as famílias da classe média a financiar a educação dos seus filhos. O anúncio foi feito em entrevista à rádio argentina La Red, na semana passada.
No início de sua campanha eleitoral para as eleições presidenciais de 2023, o então candidato da direita já havia anunciado em várias oportunidades a intenção de criar um sistema de vouchers para a educação. A medida recentemente anunciada poderia ser um pontapé inicial para a sua eventual implementação.
Em conversa com jornalistas, o presidente argentino adiantou que os vouchers educacionais serão destinados a financiar materiais e mensalidades de escolas particulares. Apesar de ainda não tratar-se do sistema de vouchers anunciado durante a corrida eleitoral, Milei afirmou que este programa servirá como “um mecanismo de assistência para a classe média para que as crianças não percam a escolaridade”.
“A situação na qual os ingressos caem e você tem que mudar seu filho de colégio, não só é traumatizante para os pais senão que é traumatizante para as crianças. Então estamos desenvolvendo um programa para que você tenha um financiamento para que possa continuar mandando a criança à escola. Também haverá vouchers para comprar material escolar, para poder dar essa contenção à classe média”, comentou ao vivo.
O chefe de Estado disse que a ministra do Capital Humano, Sandra Pettovello, e o ministro da Economia, Luis Caputo, já estão trabalhando no programa.
Como vai funcionar
Desde as eleições primárias na Argentina (P.A.S.O), Milei garantiu que faria uma reforma no sistema educacional. Para conseguir alcançar este objetivo, implementaria um programa de vouchers parecido com o adotado pelo Chile e outros países. Esta iniciativa foi proposta durante a década de 1960 pelo economista Milton Friedman como uma alternativa liberal que favoreceria a escolha de cada pai quanto à educação de seus filhos.
“A educação é um desastre e o país é um banho de sangue. Há um Estado falido que faz tudo de errado. As instituições têm que competir e serem boas. Você vai ter ensino público e ensino privado. A diferença é que você não vai ficar refém da doutrinação do Estado”, expressou o então candidato liberal-libertário em abril do ano passado.
E ainda acrescentou: “No mundo ideal, você pode ter um sistema de vouchers, você estuda e eu te dou os vouchers. Vou preencher um cartão para você pagar a instituição que deseja frequentar. Você pode ir para uma estatal ou privada. Você escolhe a que deseja”.
Esta proposta baseia-se na procura de financiamento e não na oferta de financiamento. Consiste em implementar uma lógica de mercado no sistema educacional, a partir da qual a educação é vista como um bem e busca financiar a demanda (alunos) em vez da oferta (escolas/instituições).
Os estudantes recebem os vouchers destinados à educação e decidem qual é a melhor instituição para se formar. Isso estabelece, segundo o Milei, uma “dinâmica de competição entre escolas” para “atrair” o maior número de alunos possível, o que resulta em mais “esforços para alcançar melhores resultados e se destacar da concorrência”.
Quando questionado em relação ao programa, o mandatário respondeu, “será que o sistema tal como está agora funciona bem? 60% das crianças de dez anos não leem e nem compreendem um texto. Em matemática somos piores. Nos testes do Programa de Avaliação de Alunos Internacionais (PISA) fomos péssimos”.
É possível a sua implementação na Argentina?
Para Martín Krause, professor de economia argentino, colunista e escritor, “a entrega do voucher poderia ser feita por meio de um cartão, com conta, como a Conta Poupança Educacional (ESA), que funciona em alguns estados dos Estados Unidos. Com esse cartão, o aluno paga a mensalidade de uma escola, pública ou privada. Algo semelhante pode acontecer com as universidades. Depois, claro, há muitos detalhes a definir e a implementação de uma reforma deste tipo não é imediata, mas a abertura e maior liberdade do lado da oferta é”, disse o argentino ao jornal La Nación.
Por sua parte, Mariano Narodowski, professor da Universidade Torcuato Di Tella e representante da fundação Argentinos por la Educación acredita que, no contexto, hoje seria muito complicado implementar um sistema de vouchers na Argentina a partir do Poder Executivo.
O professor explicou ao jornal argentino Infobae que, para isso acontecer, a educação que está nas mãos das províncias deve ser “nacionalizada”, o que implicaria modificar a Constituição de 53 para que o sistema volte a depender financeiramente na sua totalidade do Estado nacional.
Narodowski apresentou três possíveis três alternativas para a sua implementação e os obstáculos que representam.
A primeira consiste em dissolver o Ministério da Educação nacional e transferir todo o seu orçamento para as famílias como “bolsas de estudo”. Pelos seus cálculos, o dinheiro não seria suficiente para os quase 10 milhões de estudantes do país.
A segunda propõe fundar novamente as escolas nacionais nas províncias e fazer com que os vouchers sejam utilizados nessas instituições. A dificuldade aqui, diz ele, é que, em princípio, seria um subsector muito pequeno que levaria anos a crescer.
Já a última se baseia na geração de acordos com as províncias para que aceitem os vouchers com base em um maior financiamento nacional. Além das tensões com as diferentes províncias, seria necessária uma enorme burocracia para coordenar a transição.
Países que adotaram esse sistema
Alguns dos países que adotaram o sistema de vouchers foram o Chile, a Nova Zelândia, a Dinamarca e a Suécia. “Foi uma tendência dos anos 80 e início dos anos 90. No caso do país sul-americano, os resultados em testes internacionais o posicionam como líder na região com crescimento sustentado nas últimas décadas. O sistema de vouchers foi adotado pelo Chile em 1981 e, como resultado, mais de 1.000 escolas particulares entraram no mercado e suas matrículas aumentaram para até 40% em 1998, de acordo com dados publicados na Revista de Economia Pública em 2006.
Osvaldo Corrales Jorquera, reitor da Universidade de Valparaíso e presidente do Consórcio de Universidades Estatais do Chile, comentou no programa AIRE Digital, que no caso do Chile, o Estado financia um determinado número de vagas, sendo que “cada universidade tem de informar o Ministério da Educação quantas vai oferecer em cada curso”.
No país vizinho à Argentina, o sistema cobre principalmente um setor. “Só são financiados aqueles que pertencem aos 60% mais pobres da população”, observou Jorquera.
Segundo o reitor, “não é um sistema de ensino gratuito universal , o ensino gratuito é apenas para os 60% dos estudantes mais pobres, enquanto os restantes 40% endividam-se ou pagam mensalidades”.
Quanto à Suécia, nas últimas edições subiu no ranking do PISA e em 2023 ficou entre os vinte Estados mais bem colocados ao lado da Nova Zelândia e da Dinamarca. O sistema de vouchers foi introduzido lá em 1992 nas escolas primárias e secundárias, permitindo a livre escolha entre as escolas públicas e as friskolor (escolas independentes). Ambas são financiadas da mesma forma.
Per Unckel, governador de Estocolmo e ex-ministro da Educação, promoveu o sistema, dizendo que “a educação é tão importante que não pode ser deixada a apenas um produtor, porque sabemos, pelos sistemas monopolistas, que eles não satisfazem todos os desejos”.
Um estudo realizado por F.Mikael Sandström em 2004 concluiu que os resultados acadêmicos nas escolas públicas melhoraram devido à maior competição.
Nova Zelândia e Dinamarca também vêm apresentando excelentes resultados nos últimos anos. Entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), ambos qualificam-se como um dos melhores em alfabetização. O primeiro destacando-se principalmente em áreas como ciências e matemática e o segundo em leitura, matemática e ciências.
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