A Nicarágua, sob o regime do ditador Daniel Ortega, tem empregado métodos de repressão transnacional para perseguir opositores que residem fora do país, conforme destaca o relatório sobre práticas de direitos humanos dos países em 2023, divulgado pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos no final de abril.
O documento aponta que o regime nicaraguense executou ações contra indivíduos localizados em outros países, principalmente em países vizinhos como a Costa Rica.
“Exilados na Costa Rica e em outros lugares alegaram assédio e opressão
política por parte de unidades paramilitares e simpatizantes da Frente
Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) [partido de Ortega] que atravessaram a
fronteira para visar exilados, bem como por oficiais de inteligência alocados dentro
da embaixada nicaraguense na Costa Rica”, diz o texto disponível no site do
Departamento de Estado dos EUA.
O ataque realizado contra o opositor Joao Maldonado e sua esposa, Nadia Robleto, em janeiro deste ano, pode ser um dos exemplos da repressão transnacional posta em prática pelo regime de Manágua. Maldonado e Robleto ficaram gravemente feridos após terem sido alvos de disparos efetuados por homens armados em motos que cercaram o carro deles na capital costarriquenha, San José.
Apesar de não existirem ainda provas concretas que liguem diretamente este ataque ao regime sandinista de Ortega, Maldonado já havia dito em entrevista ao jornal local La Nacion que sofria ameaças de morte por parte de integrantes do regime nicaraguense, devido às críticas que fazia ao ditador do país centro-americano. O opositor também afirmou na entrevista que a Nicarágua possui células dentro da Costa Rica para perseguir dissidentes do sandinismo.
Em 2021 Maldonado já havia sido alvo de quatro tiros efetuados por homens desconhecidos, naquele momento ele decidiu pedir proteção à Justiça do país, medida que foi concedida. Ambos os casos relacionados aos ataques contra Maldonado ainda não foram solucionados pelas autoridades costarriquenhas .
Ao site argentino Infobae, o líder opositor Juan Sebastián Chamorro, ressalta a existência de evidências sobre vigilância contra líderes e ativistas da oposição, especialmente aqueles que fazem denúncias sobre violações de direitos humanos na Nicarágua, em território costarriquenho
“O tema da repressão transnacional está se tornando relevante à luz de
alguns eventos que levantam muitas suspeitas, sendo o principal o atentado
contra João Maldonado, na Costa Rica”, disse.
Chamorro, que foi preso político e expulso da Nicarágua, mencionou ao site argentino suspeitas sobre o número de pessoal alocado na embaixada nicaraguense na Costa Rica, indicando possíveis atividades de vigilância e monitoramento sob amparo diplomático.
“O grande número de pessoas presentes lá sob proteção diplomática não
corresponde ao trabalho normal de uma seção consular ou embaixada de um país.
Em outras palavras, há suspeitas de que muitos dos que estão lá, naquela
embaixada, façam parte de corpos de vigilância e monitoramento. Obviamente, não
podemos comprovar isso, mas está se falando sobre isso”, diz.
Outro método de repressão da Nicarágua mencionado no relatório divulgado pelos EUA é o uso de ameaças, assédio, vigilância e coerção contra familiares de opositores que estão no exterior. Uma grande parte dos familiares dos opositores exilados ainda residem na Nicarágua e o assédio por parte do regime seria uma forma de “forçar” o retorno daqueles que o país deseja enviar para a prisão.
“Familiares de membros da oposição no exílio foram vigiados, assediados, detidos e condenados injustamente como parte das tentativas do governo de forçar membros da oposição exilados a retornar ao país e enfrentar a prisão”, diz o relatório americano.
Além disso, segundo os EUA, o regime nicaraguense também teria feito uso indevido dos alertas vermelhos da Interpol – notificações de busca sobre procurados no exterior, para fins políticos.
“Houve relatos credíveis de que o regime [de Ortega] tentou usar os Avisos
Vermelhos da Interpol para fins politicamente motivados como retaliação contra
indivíduos que considerava opositores, incluindo clérigos que entravam em
exílio”, diz o relatório.
O controle da mobilidade daqueles que residem fora do país também é uma
prática mencionada no relatório, com relatos de negação de serviços consulares
básicos a cidadãos no exterior e o impedimento de acesso a passaportes a
opositores políticos e seus familiares.
“Houve relatos credíveis de que as autoridades tentaram controlar a
mobilidade para exercer represálias contra cidadãos no exterior, negando-lhes
serviços consulares. Autoridades migratórias no país e por meio de consulados
no exterior negaram acesso a passaportes a opositores políticos percebidos e
seus familiares, impedindo-os de viajar para um terceiro país”, revela o
documento.
Ao Infobae, o líder opositor Chamorro disse que a perseguição transnacional é uma prática comum de países autoritários, contando até mesmo com similaridades nos procedimentos.
Para ele, o que a Nicarágua vem fazendo é parte da técnica
de repressão transnacional utilizada tanto na Rússia quanto no Irã há muitos
anos: “o atentado e perseguição de dissidentes e opositores no exílio.
Inclusive o assassinato”.
Chamorro disse que isso é “basicamente um método no qual
usam células de investigação e vigilância para perpetrar essa intimidação”
no exterior.
A resposta do regime de Ortega ao relatório americano foi
feita por Rosario Murillo, esposa do ditador, que rejeitou as acusações e
acusou os EUA de serem violadores dos direitos humanos e de terem cometido
“crimes contra a Nicarágua”.
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