A Câmara dos Deputados aprovou a criação de um programa de pagamento de dívidas dos estados com a União, com previsão de juros menores e parcelamento do saldo em 30 anos. A medida consta do Projeto de Lei Complementar (PLP) 121/24, do Senado, que foi alterado pelos deputados e retorna para nova votação dos senadores.
O texto aprovado nesta terça-feira (10) é um substitutivo do relator, deputado Doutor Luizinho (PP-RJ), que acrescenta benefícios, principalmente para estados já devedores e participantes de planos atuais de regularização de dívidas.
De acordo com o projeto aprovado, a taxa atual (IPCA + 4% ao ano) é reduzida para IPCA + 2% ao ano, podendo haver diminuição adicional dos juros reais se cumpridos determinados requisitos de investimento e alocação em um fundo para investimentos direcionados a todos os estados.
As dívidas estaduais somam atualmente mais de R$ 765 bilhões, dos quais cerca de 90% concentram-se nos estados de Goiás, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Os estados terão até 31 de dezembro de 2025 para pedir adesão ao Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). Após a adesão homologada e a dívida consolidada, poderão optar por pagar uma entrada para diminuir os juros reais incidentes com uma combinação de obrigações. Em todos os casos, há correção monetária pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
O relator, deputado Doutor Luizinho, afirmou que a proposta cria condições para a recuperação fiscal dos estados e permite o aumento de investimentos em áreas sensíveis, como educação, segurança pública e infraestrutura. “O Propag é uma solução que permitirá aos estados solucionarem de forma definitiva o problema do endividamento. E a União voltará a receber os pagamentos das dívidas.”
O projeto trata de dois pontos cruciais, na opinião do relator: o equilíbrio federativo e a responsabilidade fiscal. O texto propõe que os estados que aderirem ao Propag limitem o crescimento de suas despesas primárias de forma similar ao arcabouço fiscal (Lei Complementar 200/23).
Contrapartidas
Além de ter de pagar as parcelas mensais, o estado terá de fazer anualmente contribuições ao Fundo de Equalização Federativa criado pelo projeto e realizar investimentos, principalmente no ensino técnico profissionalizante.
Uma das combinações permite juro zero, entrada de 20%, aporte ao fundo de 2% da dívida consolidada no momento do depósito e 2% de investimentos no ano.
Com os mesmos juros iguais a zero e entrada, poderá haver contribuição ao fundo de 1% e investimentos de 1,5%.
No caso de juros de 1%, para a entrada de 20% serão exigidos contribuição ao fundo de 1% e investimentos de 1,5%; com os mesmos juros e entrada de 10%, o estado terá de colocar no fundo 1,5% e investir 0,5%.
No caso de juros de 2% ao ano e entrada de 10%, o fundo terá depósitos de 1,5% e a aplicação será de 1%.
No entanto, da forma como o texto foi redigido, as combinações entre juros e aportes ao fundo são diferentes em outra parte do texto, cuja redação é limitada a um número menor de combinações.
Educação profissional
Quanto aos investimentos, enquanto o estado não alcançar as metas de educação profissional técnica de nível médio definidas no Plano Nacional de Educação (PNE), cuja vigência foi prorrogada até 31 de dezembro de 2025, 60% do dinheiro deverá ser aplicado nessa finalidade.
Nesse tópico, as metas do PNE são: oferecer, no mínimo, 25% das matrículas de educação de jovens e adultos, nos ensinos fundamental e médio, na forma integrada à educação profissional; e triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, assegurando a qualidade da oferta e pelo menos 50% da expansão no segmento público. Um regulamento poderá estipular metas inferiores.
No entanto, se aprovado pelo Executivo federal, o estado que demonstrar impossibilidade técnica e operacional de aplicação desses 60% em educação profissional poderá manter um mínimo de 30%.
Além de o dinheiro poder ser usado em obras, equipamentos e material permanente, incluídos sistemas de informação, o estado poderá gastar em despesas correntes e de pessoal a fim de aumentar as matrículas para atingir as metas.
Uma vez atingidas as metas, o estado poderá direcionar esses 60% do montante de investimentos às outras finalidades previstas, para as quais os outros 40% já estão liberados de pronto.
Nesse ponto, o relator propõe que não sejam pagas as parcelas devidas ao fundo de equalização.
Essas finalidades são: infraestrutura para universalização do ensino infantil e educação em tempo integral, universidades estaduais, administração fazendária, infraestrutura de saneamento, habitação, adaptação às mudanças climáticas, transportes ou segurança pública.
Entretanto, o texto não prevê sanções ou condicionantes para o estado quanto à manutenção das matrículas e dos investimentos em educação profissional depois de atingidas as metas.
Caso o estado não cumprir os investimentos mínimos em educação profissional (60% ou 30%, conforme o caso), terá de colocar a diferença a menor no fundo criado para pagar a poupança de estímulo à conclusão do ensino médio (programa Pé de Meia). Se não fizer isso, o estado perderá a aplicação de juros menores e serão aplicados juros reais de 4% ao ano desde a data do atraso.
Debate em Plenário
O deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), vice-líder do governo, criticou a proposta. Ele acredita que o projeto vai comprometer os estados, ao tirar dinheiro deles para pagar uma dívida “injusta” que a União cobre. “Estado não é produtor de riqueza, é arrecadador de parte da riqueza. A ampla maioria da dívida dos estados é fruto de juros compostos, e não de novos investimentos”, disse.
Ele defendeu a criação de um redutor do estoque da dívida para torná-la pagável e justa.
Para o deputado Tarcísio Motta (Psol-RJ), o texto melhorou em relação a versões anteriores. “Ele mexe em algo que sempre criticamos nos regimes anteriores de renegociação da dívida dos estados, que é a questão dos juros absurdos, abusivos, que impedem que qualquer dívida seja paga.”
Motta criticou, porém, a limitação de reajuste para servidores estaduais.
Já o deputado Zucco (PL-RS) defendeu a proposta como marco para tentar resolver as dívidas estaduais “que se arrastam há décadas” com a União.
O deputado Pedro Aihara (PRD-MG) afirmou que a dívida pública é um dos maiores obstáculos para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. “Muitas vezes, os recursos do bem-estar vão para o pagamento da dívida, sem que a gente consiga uma diminuição real dela”, disse.
O deputado Rogério Correia (PT-MG) ressaltou que a proposta do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, busca resolver um problema muito antigo de Minas Gerais. “Ficamos com arrecadação pequena e dívida enorme. Este é o quadro de Minas Gerais”, disse, ao citar o valor da dívida que saltou de R$ 14 bilhões em 1988 para R$ 160 bilhões.
Já a dívida de Goiás subiu de R$ 5,3 bilhões para R$ 24 bilhões, de acordo com o o deputado José Nelto (União-GO). “Isso chama-se agiotagem nacional. Juros sobre juros. É uma dívida impagável que compromete o crescimento dos estados.”
O líder do PL, deputado Altineu Côrtes (PL-RJ), disse que o projeto vai aliviar e fazer justiça aos estados brasileiros. “É um momento de união a favor dos estados da Federação e do Brasil”, disse.
Recuperação fiscal
Para os estados que ingressaram no Regime de Recuperação Fiscal até 31 de dezembro de 2024 e aderirem ao Propag até 31 de dezembro de 2025, o projeto permite o pagamento do parcelamento em valores graduais por quatro anos:
- 20% do valor das prestações devidas no primeiro ano;
- 40% no segundo ano;
- 60% no terceiro ano; e
- 80% no quarto ano.
A partir do quinto ano, as prestações terão valor cheio (100%) do calculado; e a diferença do que deixou de ser pago no período será incorporada ao saldo devedor dos contratos de dívida a partir deste ano, com atualização pelos encargos financeiros contratuais renegociados.
Já o Rio Grande do Sul, por enquanto o único estado amparado por decreto de calamidade pública votado no Congresso, manterá as obrigações e prerrogativas concedidas pela Lei Complementar 206/24, que suspendeu os pagamentos de sua dívida por três anos, e o incremento gradual de prestações valerá depois desse período.
Os outros estados no regime de recuperação fiscal são Rio de Janeiro e Goiás. Minas Gerais está em processo de adesão.
União paga
Outra novidade no texto aprovado é que a União deverá pagar dívidas em nome do estado relativas a empréstimos bancários (inclusive com bancos multilaterais, como Bird e BID) com garantia federal contratados antes da adesão do ente federado ao Regime de Recuperação Fiscal (RFF). As contragarantias devidas pelo estado serão pagas à União dentro do parcelamento progressivo. Já o saldo entrará no refinanciamento do Propag.
Também durante a aplicação das parcelas progressivas, os estados do RRF não precisarão diminuir despesas de pessoal se o limite for estourado ou seguir limites e proibições da Lei de Responsabilidade Fiscal para obter novos empréstimos, contanto que sejam para pagar despesas listadas na lei do regime, como para:
- programa de desligamento voluntário de pessoal;
- auditoria do sistema de processamento da folha de pagamento de ativos e inativos;
- reestruturação de dívidas ou pagamento de passivos;
- modernização da administração fazendária;
- antecipação de receita da venda de estatais; e
- ações de enfrentamento e mitigação dos danos decorrentes de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional.
Calamidade
Por enquanto apenas para o Rio Grande do Sul, único ainda contemplado com decreto legislativo sobre calamidade pública, o texto do relator concede novos benefícios:
- manutenção de obrigações e prerrogativas da Lei Complementar 206/24 sobre suspensão da dívida por três anos;
- parcelas do refinanciamento aumentadas gradualmente;
- dispensa de pagamento dos aportes ao Fundo de Equalização Fiscal.
Adicionalmente, por três anos após o reconhecimento da calamidade pública pelo Congresso Nacional, o que o estado deixou de pagar com essas regras será direcionado a um fundo criado especificamente para enfrentar a calamidade pública.
Limitação de despesas
De forma semelhante ao novo regime fiscal da União, os estados que aderirem ao Propag deverão limitar, por dez anos, o crescimento das despesas primárias à variação do IPCA.
A cada ano, as receitas do orçamento não poderão crescer se no ano anterior não tiver ocorrido aumento real de receita primária e o resultado orçamentário tiver sido negativo.
Se o estado, no ano anterior, tiver apurado resultado orçamentário negativo, o crescimento real de receita primária será de 50% da variação positiva no período.
Caso o estado obtenha resultado orçamentário positivo, o crescimento de receita primária será de 70% da variação real desse tipo de receita.
Diferentemente do texto do Senado, a referência a resultado orçamentário não é a mesma coisa que resultado primário, que envolve apenas despesas e receitas não financeiras.
No cálculo, ficam de fora as despesas bancadas com:
- recursos do Fundo de Equalização Federativa;
- investimentos ligados à redução de taxas de juros;
- transferências vinculadas da União;
- saúde e educação até o piso constitucional;
- fundos especiais do Judiciário, Legislativo, tribunais de contas estaduais e municipais, da Defensoria Pública, do Ministério Público estadual, das Procuradorias-Gerais dos estados e das secretarias de Fazenda; e
- de outras fontes de recursos definidas em ato do Executivo federal.
Atraso ou desligamento
O projeto proíbe os estados que aderirem ao Propag de contratarem novas operações de crédito para pagar as parcelas, sob pena de desligamento.
Outra hipótese de desligamento é quando houver atraso de pagamento de três parcelas consecutivas ou seis parcelas não consecutivas durante a vigência do refinanciamento. O texto do Senado previa seis parcelas dentro de 36 meses.
Nessas situações, o saldo devedor e o valor das prestações serão recalculados pelos parâmetros anteriores ao Propag.
Fundo para investimentos
Os depósitos feitos pelos estados no Fundo de Equalização Federativa para participarem do Propag deverão ser utilizados, por exemplo, para projetos de aumento de produtividade, enfrentamento das mudanças climáticas e melhoria da infraestrutura, da segurança pública e da educação relacionada à formação profissional da população.
As ações beneficiadas são as mesmas vinculadas ao juro real menor, inclusive com reserva de 60% ou 30% para educação profissional no ensino médio.
Já a distribuição obedecerá a dois critérios:
- 20% distribuídos proporcionalmente ao inverso da relação dívida consolidada/receita corrente líquida com base em dados no ano anterior ao do rateio; e
- 80% distribuídos segundo os coeficientes no Fundo de Participação dos Estados (FPE) válidos para o exercício corrente da distribuição.
Dessa forma, na parcela de 20%, quanto menor a dívida em relação à receita, maior o valor a receber por determinado estado.
O montante restante beneficiará principalmente os estados do Nordeste. Para 2025, cálculos do Tribunal de Contas da União (TCU) preveem que 65,7% do dinheiro do FPE ficará com 12 estados, situação que se repetirá em relação aos outros 80% do fundo de equalização: Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Sergipe.
Outra novidade é a reserva de 10% dos recursos para garantir empréstimos dos estados.
Fiscalização estadual
Quanto à fiscalização do uso dos recursos do fundo, o projeto concede essa atribuição ao tribunal de contas do respectivo estado. Os pareceres, junto com o balanço feito pelo governo estadual, serão encaminhados ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Agência Câmara
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