16 de mai de 2025 às 15:57
O fenômeno da Inteligência Artificial (IA) é analisado sob a perspectiva da Igreja na América Latina num novo documento, que visa proporcionar “uma reflexão aprofundada e interdisciplinar” e faz recomendações que podem ser colocadas em prática na região.
É o que diz o Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe (CELAM) em seu documento Inteligência Artificial. Uma visão pastoral da América Latina e do Caribe (link em espanhol).
O fenômeno da IA, embora presente nas últimas décadas na tecnologia cotidiana, ganhou maior força com a disseminação de ferramentas como o ChatGPT, no campo dos geradores de texto, ou o Dall-E, para imagens.
Desde o pontificado do papa Francisco, várias preocupações sobre a inteligência artificial já foram expressas, e o próprio pontificado de Leão XIV poderia ter um foco nessa questão porque, como disse Matteo Bruni, diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, sobre a escolha do nome do novo papa, é uma clara “referência às mulheres, aos homens, ao seu trabalho e aos trabalhadores em uma época de inteligência artificial”.
Longe de ser “uma análise exaustiva da questão em questão”, como diz em sua introdução, o documento do CELAM busca “oferecer pontos de reflexão que administrem a tensão entre a complexidade que exige e a simplicidade capaz de fornecer diretrizes para a reflexão, o discernimento e a ação”.
Assim, o documento propõe “uma perspectiva crítica e profética, em que os valores evangélicos ajudem a promover um desenvolvimento tecnológico que contribua para o reconhecimento da dignidade das pessoas e o cuidado da nossa casa comum”.
O que é IA e por que ela preocupa a Igreja
O documento do CELAM retoma a definição delineada em 1956 por John McCarthy, entre outros — considerado por muitos o “pai” da IA —: “uma máquina capaz de apresentar um comportamento que seria descrito como inteligente se fosse produzido por um ser humano”, dizendo que o papa Francisco, em sua mensagem para o 57º Dia Mundial da Paz, disse que a inteligência artificial “deve ser entendida como uma galáxia de realidades distintas”.
Assim, o documento aborda conceitos cada vez mais comuns como “IA generativa” e “aprendizado de máquina”.
“Esse é um campo em rápido desenvolvimento, onde universidades, governos e empresas privadas estão unindo esforços para gerar capital”, diz o documento.
Além disso, diz o texto, “os vários avanços no desenvolvimento da IA são impulsionados por ideologias que fortalecem e talvez supervalorizam certas abordagens”.
Entre eles, ele destaca “o progresso tecnológico e o otimismo (a crença de que o mundo será melhor graças à tecnologia), a globalização e a conectividade (integração de culturas, economias e pessoas), o ‘dataísmo’ (os dados serão considerados centrais para o conhecimento e a tomada de decisões), o aumento da eficiência e da produtividade (como valores últimos feitos pela IA), a competição e a maximização dos lucros (como valores das empresas e corporações, grandes motores da IA), individualismo pessoal e autonomia (aprimorados pelos sistemas de IA), racionalismo instrumental e objetividade (relegando aspectos subjetivos) etc”.
Para o CELAM, é importante não “cair na comparação enganosa ‘IA/ser humano’, nem na tentativa de substituir a atividade humana por programas de computador”. Falando sobre a mensagem do papa Francisco para o 57º Dia Mundial da Paz, o CELAM diz que “não se trata, portanto, de exigir que as máquinas pareçam humanas; mas sim de despertar o homem da hipnose em que caiu por causa da sua ilusão de onipotência”.
Inculturando o cristianismo no mundo digital e na IA
O documento do CELAM também fala sobre a necessidade da “inculturação do cristianismo”, dizendo que “o discernimento é necessário para identificar e acolher aqueles valores e formas positivas presentes nos processos digitais, como a IA, a fim de enriquecer a ação evangelizadora”.
“Na cultura digital, o cristianismo é chamado a se comprometer com a tradução: o componente escatológico da fé cristã nos mostra que nossa compreensão da revelação não é fechada; podemos ter acesso ao Logos dentro da dinâmica desse novo contexto e, assim, dar uma síntese que pode tornar a mensagem do Evangelho visível e habitável nas culturas contemporâneas, sabendo que nenhuma mediação cultural pode jamais abrangê-la em sua totalidade”.
“Para conseguir isso, é essencial começar a pensar na IA teológica e pastoralmente, mas também é essencial repensar a teologia e o cuidado pastoral à luz do fenômeno da IA”, diz o documento.
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A revolução da IA e seu impacto na economia e na democracia
O CELAM diz em seu texto que “a IA está transformando radical e rapidamente as estruturas econômicas em muitas partes do nosso planeta”, marcando “o início de uma nova era, comparável às revoluções tecnológicas do passado, como a introdução da máquina a vapor, a eletrificação industrial ou a construção de redes rodoviárias”.
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“A aplicação da IA a vários setores econômicos cria oportunidades e desafios, e seu impacto é sentido em dimensões econômicas importantes, como produtividade, mercados de trabalho, distribuição de renda, comércio e mercados financeiros globais”.
Na América Latina, diz o CELAM, “uma região caracterizada pela diversidade sociocultural e pela complexidade de seus sistemas democráticos, o uso eficaz da IA tem o potencial de melhorar a participação dos cidadãos, fortalecer a transparência do governo e otimizar a tomada de decisões”.
No entanto, diz também o texto, o uso da IA “também representa riscos significativos em termos de manipulação da opinião pública, erosão da privacidade e concentração de poder nas mãos de atores que controlam a tecnologia e os dados”.
“Os riscos associados ao uso da IA na política não podem ser ignorados”, enfatiza a CELAM.
Concretizando: as propostas da Igreja na América Latina em relação à IA
Na seção final do documento do CELAM, são apresentadas várias recomendações e propostas práticas para a Igreja na região abordar a IA.
O primeiro ponto destacado é “Inculturando a IA na Igreja Latino-Americana e Caribenha”, destacando que “tanto em nossa pregação eclesial quanto em nosso trabalho (paróquias, escolas etc.), devemos estar conscientes de que a IA não é só um instrumento, mas que sua configuração tem uma pretensão sistêmica na qual o ser humano corre o risco de ser absorvido”.
“A IA é aceitável na medida em que seu uso promove o respeito pela dignidade humana, e inaceitável na medida em que sua implementação a diminui”, enfatiza o CELAM.
Além disso, o texto pede para “evitar os extremos da tecnofilia e da tecnofobia”. Enquanto a primeira pode levar à crença ingênua de que “seremos mais próximos das pessoas, mais modernos e socialmente mais aceitos se adotarmos as novas tecnologias sem crítica”, a tecnofobia leva à crença de que “as novas tecnologias só trarão catástrofes”.
“O desafio é manter o equilíbrio entre o uso da tecnologia e a preservação da autenticidade e da profundidade da fé vivida em comunidade, lugar privilegiado de encontro com a Pessoa de Jesus Cristo e com a comunidade eclesial de irmãos e irmãs na fé. O uso da IA não deve substituir o encontro entre o crente e a Palavra de Deus”, diz o documento.
Como segundo ponto, o documento do CELAM apresenta propostas para as conferências episcopais da região, incentivando-as, antes de tudo, a trabalhar na “conscientização e formação sobre IA”, com “oportunidades de formação para leigos, vida consagrada e clero”.
O texto recomenda também “produzir materiais educativos para as famílias sobre como educar seus filhos na cultura digital, enfatizando os valores cristãos”.
O texto então incentiva a “organização pastoral e o planejamento em IA”, com a possível criação de “uma comissão sobre IA e ética digital em cada conferência episcopal e nas dioceses onde possível, composta por especialistas em tecnologia, teólogos e pastores”.
Em seguida, o documento incentiva a “coordenação e o apoio de iniciativas relacionadas à IA”, e a “pesquisa de IA à luz do Magistério da Igreja”, para, em última análise, promover a “inclusão digital em periferias geográficas e sociais”.
É possível baixar o documento Inteligência Artificial. Uma visão pastoral da América Latina e do Caribe do CELAM aqui.
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