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OPINIÃO – Do Sertão ao céu: quando a política na Paraíba deixa de ser terrena e vira uma disputa entre Deus e o diabo

O Brasil nunca foi para amadores, mas nos últimos tempos, nem para os ‘crentes’ no sentido mais espiritual da palavra, está fácil acompanhar a política nacional. A polarização, que já não era pouca, acaba de atravessar os limites da razão, da ideologia e agora, virou batalha espiritual.

Nesta quinta-feira (29), o vereador Marcos Henriques, do PT de João Pessoa, deu uma declaração que escancarou o grau que a política brasileira alcançou. Disse ele, sem meias palavras: “Acredito que Deus predestinou Lula, assim como Satanás predestinou Bolsonaro”.

A frase é uma reação direta ao que o próprio presidente Lula havia dito, nessa quarta-feira (28) durante evento de entrega de obra da Transposição do São Francisco no Sertão da Paraíba. Ali, Lula declarou que “Deus deixou o sertão sem água porque ele sabia que eu ia ser presidente da República e que eu ia trazer água para cá”.

Perceba o salto: se antes a disputa era entre mortais: petistas e bolsonaristas, progressistas e conservadores, agora ela foi alçada ao plano celestial. Não se debate mais apenas política, projetos, ideias ou visões de país. Debate-se quem está do lado de Deus e quem, supostamente, serve ao diabo.

O problema é que quando a política assume esse tom, não há espaço para diálogo. Porque, afinal, quem quer negociar com o mal? Quando um lado se enxerga como divinamente ungido e o outro como a encarnação do inferno, não há democracia que sobreviva.

Esse tipo de discurso não é só perigoso , é corrosivo. Porque desumaniza o outro. Reduz quem pensa diferente a uma caricatura maligna, uma ameaça existencial, um inimigo metafísico. E quando isso acontece, não há mais adversários políticos, mas hereges a serem eliminados do convívio social.

O mais irônico e ouso dizer, trágico, é que tanto Lula quanto Bolsonaro se alimentam dessa mesma lógica, embora em polos opostos. Ambos foram, ao longo dos últimos anos, transformados por seus seguidores em figuras messiânicas, salvadores da pátria, instrumentos de uma missão sagrada. Ambos, cada qual a seu modo, surfam nesse mar de idolatria, onde o debate público se dissolve na guerra santa.

O Brasil, que é laico na Constituição, mas profundamente religioso na prática, se vê em meio a um embate que não é mais entre direita e esquerda, mas entre céu e inferno. E quem perde com isso? Todos nós. Porque enquanto a política for travada no campo da fé, da salvação ou da perdição, deixaremos de discutir o que realmente importa: saúde, educação, segurança, emprego, desenvolvimento, justiça social e, ironicamente, até água no Sertão.

Quando Deus vira cabo eleitoral e Satanás é usado como rótulo para o adversário, a democracia deixa de ser um espaço de convivência entre diferentes e passa a ser um campo de guerra onde não cabe mais ninguém além dos puros.

Imagem gerada por IA

Thatiane Sonally

PB Agora

FONTE: PB AGORA