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Antônio de Castro Mayer, bispo brasileiro que resistiu ao Concílio Vaticano II, ganha primeira biografia em português

“Esse livro materializa o pensamento anticonciliar do bispo Antônio de Castro Mayer”, disse o historiador Vinícius Couzzi Mérida, autor de Dom Antônio de Castro Mayer e o legado tradicionalista em Campos (Editora Becalete, 700 páginas, R$ 220,00), lançado no sábado (7), na Bienal do Livro de Campos (RJ).

Segundo Mérida, trata-se de “um livro inédito de um fato único”. “Não tem nada parecido com dom Antônio e Campos no mundo”, disse em relação ao bispo que manteve a celebração da missa no rito tradicional, na diocese de Campos, depois da promulgação do Missal de Paulo VI, em 1969.

Vinícius Couzzi Mérida, 42 anos, vive em Itaperuna (RJ), cidade que pertence à diocese de Campos. É doutor em Ciência da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) em cotutela com L’ Université Laval (ULAVAL), do Canadá.  O livro que lançou no dia 7 de junho é resultado de sua tese de doutorado sobre dom Antônio de Castro Mayer.

Dom Antônio de Castro Mayer nasceu em Campinas (SP), em 1904. Foi ordenado padre em Roma, em 30 de outubro de 1927. Era doutor em Sagrada Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma. Voltou ao Brasil em 1937 e teve diversas funções em São Paulo, entre as quais professor do seminário e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Em 1948, foi nomeado bispo coadjutor de Campos, tendo recebido a ordenação episcopal em 23 de maio do mesmo ano. Em 1949, tornou-se bispo de Campos, diocese da qual esteve à frente até 1981.

Castro Mayer participou do Concílio Vaticano II e fez parte do Coetus Internationalis Patrum, grupo liderado pelo arcebispo francês Marcel Lefebvre, que mais tarde, em 1970, fundou a Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), e o arcebispo de Diamantina (MG), dom Geraldo de Proença Sigaud.

“Ele se destacou sempre por ser um bispo conservador antimoderno”, disse o historiador à ACI Digital. “Por que antimoderno? Porque ele era contra o protestantismo, contra o diálogo ecumênico com o protestantismo, com as igrejas ortodoxas, contra o diálogo interreligioso, defensor da autoridade papal, extremamente devoto de Nossa Senhora e anticomunista”.

Segundo Mérida, Castro Mayer era “contra o processo que o mundo estava vivendo nos últimos 500 anos, desde a reforma protestante, passando pelas ideias iluministas do século XVIII, a Revolução Francesa, o racionalismo, o cientificismo do século XIX, a revolução comunista de 1917. Então, ele se colocou sempre nessa contramão dos eventos que marcaram a modernidade”, disse. “Era a posição católica também”.

“Os documentos do catolicismo romano são muito abundantes contra o racionalismo, contra o cientificismo, contra a secularização, contra o comunismo, contra a reforma protestante, contra o diálogo ecumênico, pela manutenção da missa em latim, da liturgia tridentina”, acrescentou.

Para o historiador, ao defender essas pautas frente ao Concílio Vaticano II, “Castro Mayer não tirou nada de trás da orelha, ele reproduziu na integra o que ele sempre aprendeu”. “Só que a Igreja mudou e a questão é como a Igreja mudou”.

“Alguns bispos falam dos sinais do tempo, mas esses sinais do tempo entraram na Igreja por meio de teólogos progressistas e teólogos progressistas que tinham sido inclusive condenados por Pio XII” e “retirados dos seus postos de professor das universidades”, como o suíço Hans Küng, o holandês Edward Schillebeeckx, e o jesuíta alemão Karl Rahner, disse o historiador.

“Com a morte de Pio XII esses teólogos voltaram ao cenário da Igreja não só não-marginalizados, como pensadores muito influentes dos bispos, dos padres conciliares da Holanda, da Alemanha, da França, da Áustria, da Bélgica”, acrescentou.

Mérida disse que, ao perceber esse cenário, Castro Mayer, Geraldo Sigaud e Marcel Lefebvre decidiram resistir ao “rolo compressor progressista”, o que fizeram por meio do Coetus Internationalis Patrum.

“Qual era a proposta de Marcel Lefebvre e Castro Mayer, do grupo tradicionalista? Condenar o mundo moderno, condenar o comunismo, condenar o ateísmo, pedir a consagração do mundo a Nossa Senhora, da Rússia de uma maneira especial, ao Imaculado Coração de Maria. E Castro Mayer, então, foi o voto completamente vencido no concílio”, disse.

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Depois do concílio, dom Antônio de Castro Mayer “estreitou laços com Marcel Lefebvre”, disse Mérida.

Em sua diocese, Castro Mayer manteve a celebração da missa no rito romano antigo depois da reforma litúrgica. Em 1981, dom Antônio foi sucedido por dom Carlo Alberto Navarro, que proibiu os padres de celebrar a missa no rito antigo. Os sacerdotes se rebelaram e decidiram continuar com as celebrações no rito antigo, dando origem a uma situação irregular. Sob a liderança de Castro Mayer, fundaram a União Sacerdotal São João Maria Vianney que, vinte anos depois, foi regularizada como a Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney, uma circunscrição eclesiástica de caráter pessoal no território da diocese de Campos (RJ) para a manutenção da liturgia anterior à reforma, a disciplina e os costumes tradicionais, mas que aceita o Concílio Vaticano II.

Em 1988, indo contra uma proibição expressa da Santa Sé, dom Lefebvre sagrou quatro bispos para a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, em Écône, Suíça: Bernard Fellay, Bernard Tissier de Mallerais, Richard Williamson e Alfonso de Galarreta. O então bispo emérito de Campos, dom Antônio de Castro Mayer, participou como co-sagrante.

No dia seguinte à sagração dos bispos, 1º de julho de 1988, a Congregação para os Bispos da Santa Sé emitiu decreto declarando que Lefebvre e os quatro bispos ordenados tinham incorrido em excomunhão latae sententiae reservada à Sé Apostólica. O decreto também cita dom Antônio de Castro Mayer e diz que ele “incorreu na excomunhão latae sententiae” por ter “participado diretamente na celebração litúrgica como co-consagrante e tendo publicamente aderido ao ato cismático”.

Em 2 de julho de 1988, o papa são João Paulo II publicou a carta apostólica Ecclesia Dei. O documento diz sobre a ordenação dos quatro bispos: “Em si mesmo, tal ato foi uma desobediência ao Romano Pontífice em matéria gravíssima e de importância capital para a unidade da Igreja, como é a ordenação dos bispos, mediante a qual é mantida sacramentalmente a sucessão apostólica. Por isso, tal desobediência ― que traz consigo uma rejeição prática do Primado romano ― constitui um ato cismático. Ao realizar tal ato, não obstante a advertência formal que lhes foi enviada pelo Prefeito da Congregação para os Bispos no passado dia 17 de junho, Mons. Lefebvre e os sacerdotes Bernard Fellay, Bernard Tissier de Mallerais, Richard Williamson e Alfonso de Galarreta, incorreram na grave pena da excomunhão prevista pela disciplina eclesiástica”. A carta apostólica não cita dom Antônio de Castro Mayer.

Dom Antônio de Castro Mayer morreu em 1991. Segundo Vinícius Couzzi Mérida, “apesar da excomunhão, todos sabem que o Castro Mayer morreu defendendo a formação que recebeu” e, “embora a excomunhão não tenha sido retirada, muitos olham para ele com olhar de misericórdia e até admiração pela sua retidão de fé”.

Controvérsias

Vinícius Couzzi Mérida ressaltou que o livro Dom Antônio de Castro Mayer e o legado tradicionalista em Campos “é um trabalho histórico, não é um trabalho apologeta”. “Tem gente que vai ler esse trabalho e falar ‘nossa, dom Antônio era maravilhoso’. Outros vão criticá-lo. Então, esse livro vai ter reações divididas. Mas, ninguém ficará indiferente”, disse.

Livro de Vinícius Couzzi Mérida, Dom Antônio de Castro Mayer e o legado tradicionalista em Campos. Divulgação
Livro de Vinícius Couzzi Mérida, Dom Antônio de Castro Mayer e o legado tradicionalista em Campos. Divulgação

Segundo ele, seu livro pode ser visto por muitos como “inconveniente, polêmico e até desnecessário”, porque “ele reabre feridas, ele resgata defuntos que estavam muito bem enterrados”, pois Castro Mayer “foi um bispo anticonciliar”.

Mérida disse que, nos últimos anos, Castro Mayer “caiu no esquecimento”. “Eu escrevi essa tese de doutorado, tendo em vista a proeminência internacional do bispo Castro Mayer, que tem pouquíssimas coisas escritas sobre ele”, disse. “O livro que foi escrito sobre dom Antônio”, The Mouth of the Lion (A Boca do Leão), “foi escrito por um americano”, David Allen White, e “não foi traduzido para o português”. Mérida citou também a tese de doutorado da antropóloga Zélia Seiblitz, “Os arquitetos do paraíso – Estudo de um conflito religioso”; o livro Os baluartes da tradição: O conservadorismo católico brasileiro no Concílio Vaticano II, do historiador e doutor em Ciências da Religião Rodrigo Coppe Caldeira; e trabalhos do canadense Philippe Lysencourt, “tudo em francês”.

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Mérida disse querer “contribuir histórica e academicamente com as pessoas”. “Quero que o bispo Castro Mayer seja muito conhecido, que a questão de Campos seja muito conhecida, que haja discussões sobre esse legado tradicionalista de Castro Mayer”, disse.

Dom Antônio de Castro Mayer e o legado tradicionalista em Campos
Editora Becalete
700 páginas
R$ 220,00

FONTE: ACI Digital