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Estamos caminhando ou já estamos vivendo a Terceira Guerra Mundial?

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Desde o início das guerras entre Rússia e Ucrânia, em fevereiro de 2022, e entre Israel e o grupo terrorista Hamas, em outubro do ano passado (esta com o Hezbollah e os houthis como atores coadjuvantes), há o receio de uma escalada nesses conflitos.

A dúvida é: dados os desdobramentos e as repercussões das
duas guerras, estamos caminhando para ou até já vivendo uma Terceira Guerra
Mundial?

O jornalista americano Thomas Friedman, colunista do The New
York Times, considera que os dois conflitos não só já são guerras mundiais,
como merecem mais esse título do que as próprias Primeira e Segunda Guerras
Mundiais, pelo seu impacto global.

“Quando a guerra da Ucrânia começou, eu disse [em um artigo
em 2022] que essa na verdade era a Primeira Guerra Mundial. O conflito que
chamamos de Primeira Guerra Mundial não foi uma guerra mundial”, argumentou,
numa conferência promovida este mês pelo jornal israelense Haaretz e pela Universidade
da Califórnia em Los Angeles (UCLA).

“A guerra da Ucrânia foi a primeira guerra mundial porque as
pessoas puderam acompanhá-la nos seus celulares, puderam opinar sobre ela, o
impacto na agricultura foi imediato… Houve um impacto nos preços dos
alimentos – foi realmente uma guerra mundial. E eu acho que talvez a guerra
entre Israel e Hamas seja a Segunda Guerra Mundial. Todos no mundo inteiro têm
uma opinião sobre ela, estão acompanhando, sendo afetados por ela”, argumentou
o jornalista.

É uma opinião singular, mas líderes mundiais não concordam
com ela – o debate tem sido efetivamente sobre a possibilidade de uma guerra,
diretamente no campo de batalha, que vá além de Ucrânia x Rússia e Israel x
Hamas, e o que pode ser feito para evitar isso.

Em uma reunião do Conselho de Segurança sobre a não
proliferação nuclear, organizada pelo Japão na segunda-feira (18), o
secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que “a humanidade não conseguiria
sobreviver a uma sequência de ‘Oppenheimer’” – numa referência ao filme
vencedor do último Oscar, que retrata a busca dos Estados Unidos pela bomba atômica
no chamado Projeto Manhattan e os ataques nucleares a Hiroshima e Nagasaki.

“Estamos reunidos em um momento em que as tensões
geopolíticas e a desconfiança elevaram o risco de guerra nuclear ao seu nível
mais alto em várias décadas”, disse Guterres.

O Relógio do Juízo Final, uma iniciativa do Boletim de
Cientistas Atômicos (criado por pesquisadores do Projeto Manhattan), atingiu no
ano passado a faixa “90 segundos para a meia-noite” – considerando, claro, que
a meia-noite é quando ocorrerá uma catástrofe mundial devido a erros cometidos
pela humanidade.

Foi a classificação mais perto da hora fatal desde que o
relógio foi criado, em 1947. Este ano, o índice foi mantido pelos
pesquisadores, que alertaram sobre os perigos da escalada nuclear, entre outros
fatores: aquecimento global, ameaças biológicas e a Inteligência Artificial
(IA).

“Tendências sinistras continuam a direcionar o mundo para
uma catástrofe global. A guerra na Ucrânia e a dependência generalizada e
crescente de armas nucleares aumentam o risco de uma escalada nuclear. A China,
a Rússia e os Estados Unidos estão todos gastando enormes somas para expandir
ou modernizar os seus arsenais nucleares, aumentando o perigo sempre presente
de uma guerra nuclear por meio de erros ou falhas de cálculo”, justificou o
grupo, em comunicado divulgado em janeiro.

Comentário de Macron, resposta de Putin

Em fevereiro, o receio de uma guerra nuclear aumentou depois de uma declaração do presidente da França, Emmanuel Macron, de que “não pode ser descartada” a hipótese da OTAN enviar tropas para ajudar a Ucrânia na guerra contra os russos.

O ditador russo, Vladimir Putin, fez várias ameaças de usar
armas nucleares desde o início da guerra, e no caso de um embate direto entre
tropas da Rússia e da OTAN, estaríamos falando de um conflito em que os dois
lados teriam esse tipo de armamento – ao contrário do que ocorre na Ucrânia.

Putin rebateu Macron, acusando o Ocidente de provocar “conflitos na Ucrânia, no Oriente Médio e em outras regiões do mundo, ao mesmo tempo em que propaga consistentemente falsidades”.

“Agora começaram a falar sobre a possibilidade de enviar
contingentes militares da OTAN para a Ucrânia”, afirmou Putin.

“Mas lembramos o que aconteceu com aqueles que antes
enviaram contingentes ao território do nosso país. Hoje, quaisquer potenciais
agressores enfrentarão consequências muito mais graves. Eles têm de compreender
que também temos armas [nucleares] – sim, eles sabem disso, como acabei de dizer
– capazes de atingir alvos nos seus territórios”, ameaçou.

A Rússia considera a Crimeia, ocupada em 2014, e quatro
províncias ucranianas, anexadas em referendos fraudulentos em 2022, parte do
seu território. Ou seja, ofensivas de outros países nessas áreas poderiam ser
consideradas invasões por Moscou.

Na semana passada, Macron voltou a falar do envio de tropas da OTAN para a Ucrânia. “Não estamos nessa situação hoje [de enviar tropas, mas] todas essas opções são possíveis”, disse o presidente francês, em uma entrevista para as emissoras francesas TF1 e France Television.

Ele pontuou que, assim como o envio de tropas da OTAN hoje é
tabu, outros tipos de ajuda à Ucrânia também eram no início do conflito e
depois foram autorizados.

“Há dois anos, dissemos que nunca enviaríamos tanques. Nós enviamos.
Há dois anos, dissemos que nunca enviaríamos mísseis de médio alcance. Nós enviamos”,
afirmou.

No último domingo (17), após sua vitória na contestada eleição presidencial russa, Putin disse que já há soldados da OTAN lutando na Ucrânia e morrendo “em grande número” no campo de batalha e mencionou o risco de uma Terceira Guerra Mundial.

“Os soldados dos países da OTAN estão lá. Nós sabemos
disso”, declarou o ditador, que afirmou que militares russos os ouvem falando
em francês e inglês, o que, segundo ele, “não é bom, principalmente para eles,
porque eles morrem”.

“E o fazem em grande número”, acrescentou. Sobre um possível
conflito entre a Rússia e a aliança militar, Putin disse que “no mundo de hoje
tudo é possível”.

“Todos entendem que isso nos colocará a um passo de uma Terceira Guerra Mundial em grande escala. Não creio que alguém esteja interessado nisso”, disse.

Destruição em Kharkiv, no nordeste da Ucrânia, após ataque russo nesta quarta-feira (20). Foto: EFE/EPA/SERGEY KOZLOV
Destruição em Kharkiv, no nordeste da Ucrânia, após ataque russo nesta quarta-feira (20). Foto: EFE/EPA/SERGEY KOZLOV | EFE

Outros países da OTAN rechaçaram as declarações de Macron,
garantindo que não há planos de enviar tropas da aliança militar para a
Ucrânia.

“Penso que a OTAN não deveria entrar na guerra da Ucrânia.
Seria um erro. Precisamos ajudar a Ucrânia a se defender, mas entrar no país
para travar uma guerra contra a Rússia significa correr o risco de uma Terceira
Guerra Mundial”, disse o ministro das Relações Exteriores da Itália, Antonio
Tajani, numa entrevista na semana passada.

Uma rara voz de apoio a Macron nessa questão, ainda que
reticente, foi a de Elina Valtonen, ministra das Relações Exteriores da
Finlândia, país que entrou no ano passado na OTAN motivado pela invasão russa à
Ucrânia.

“É importante não descartarmos nada a longo prazo, porque
nunca sabemos quão grave a situação pode se tornar. Mas a posição finlandesa é
clara: neste momento, não estamos enviando quaisquer tropas e não estamos
dispostos a discutir isso”, afirmou, em entrevista ao site Politico.

Especialista acredita em risco maior no Oriente Médio

Em entrevista à Gazeta do Povo, o coronel da reserva e analista militar Paulo Roberto da Silva Gomes Filho destacou que Macron falou em nome da França, não em nome da OTAN.

Prova disso, argumentou, foram as respostas imediatas de
Jens Stoltenberg, secretário-geral da aliança, e do chanceler alemão, Olaf
Scholz, que descartaram o envio de tropas da OTAN para a Ucrânia.

“Eu não acredito que a OTAN mande tropas para a Ucrânia,
exceto se a segurança europeia estiver realmente ameaçada pela Rússia. O
problema é definir o que caracterizaria tal ameaça”, disse Gomes Filho.

O analista apontou que, até agora, os limites impostos pela
OTAN aos russos, ou seja, as “linhas vermelhas” que não devem ser ultrapassadas
“pois caracterizariam uma ameaça intolerável”, são as fronteiras dos países da aliança.

“Macron lançou um dado novo à equação, afirmando que as
cidades de Odessa e Kiev eram ‘linhas vermelhas’, ou seja, se fossem atacadas,
implicariam no envio de tropas francesas. A OTAN não traçou essas linhas até o
momento”, afirmou Gomes Filho.

O especialista também destacou que o tratado da OTAN
estabelece que ela é uma aliança defensiva e que seu “famoso” artigo 5º prevê
que um ataque contra um ou vários países da aliança será considerado um ataque
a todos – não há exigência de uma adesão automática a ofensivas de membros da organização.

“Não se trata, portanto, de um compromisso incondicional.
Assim, não me parece que exista um compromisso de que os demais países da
aliança se engajem em um conflito com a Rússia caso a França decida mandar
tropas à Ucrânia de forma unilateral. Dito isso, eu não diria que estamos perto
de uma guerra mundial. Mas, sem dúvida, vivemos o momento mais perigoso desde o
fim da Segunda Guerra Mundial, comparável somente à crise dos mísseis em Cuba,
de 1962”, argumentou o analista.

Nesse sentido, Gomes Filho apontou que a guerra no Oriente
Médio oferece mais riscos de escalada do que a da Ucrânia, no que diz respeito
a se expandir para um conflito regional.

“Isso em razão da variedade de atores e da quantidade de
variáveis envolvidas. Pode haver uma escalada se, por exemplo, algum dos
mísseis lançados pelos houthis acertarem um dos navios de guerra dos Estados
Unidos ou de seus aliados que se encontram na região”, disse.

“Pode haver escalada para o Líbano, em razão do conflito cada vez mais intenso entre Israel e o Hezbollah. Pode haver uma escalada da crise na Cisjordânia. Pode acontecer o envolvimento do Irã. Ou seja, as possibilidades são várias, basta que alguns incidentes ocorram de forma a provocar uma reação em cadeia”, justificou Gomes Filho. (Com Agência EFE)

FONTE: Gazeta do Povo