Em julho de 2012, dois opositores políticos e defensores dos direitos humanos de Cuba, Oswaldo Payá e Harold Cepero, morreram em um acidente de carro na província de Granma, no sul do país. Eles estavam viajando com dois ativistas estrangeiros, Ángel Carromero, da Espanha, e Jens Aron Modig, da Suécia, que sobreviveram ao acidente.
A versão oficial das autoridades cubanas divulgadas na época era de que Carromero, que dirigia o carro, “perdeu o controle do veículo e bateu em uma árvore”. Por causa dessa acusação, o espanhol foi posteriormente condenado a quatro anos de prisão por homicídio culposo, mas foi autorizado a retornar à Espanha para cumprir sua pena sob um acordo com Havana.
No entanto, a família de Payá e seus apoiadores sempre rejeitaram a conclusão do regime comunista cubano sobre o caso e afirmaram que o carro dos dois dissidentes havia sido intencionalmente atingido por outro veículo, que estava sendo dirigido por agentes de segurança do Estado. Eles denunciaram que o regime da ilha havia encobrido informações relacionadas ao caso e exigiram uma nova investigação independente e imparcial sobre as circunstâncias das mortes, o que não aconteceu.
Agora, após mais de uma década de espera, a
busca por justiça dos familiares e apoiadores recebeu um impulso significativo vindo
da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão autônomo da
Organização dos Estados Americanos (OEA) que monitora e promove os direitos humanos
nas Américas.
Na segunda-feira (12), a CIDH emitiu um relatório sobre o caso, concluindo que o regime cubano, hoje liderado por Miguel Díaz-Canel, mas que na época do acidente era comandado por Raúl Castro, irmão de Fidel Castro, foi o culpado pelas mortes de Payá e Cepero, além de ser responsável por violar o direito à vida, liberdade, segurança e integridade dos dois defensores dos direitos humanos, bem como seus direitos à liberdade de expressão, associação e reunião. O relatório também constatou que Cuba não garantiu o direitos às garantias judiciais e à proteção judicial aos dois dissidentes.
O relatório foi baseado em uma petição apresentada
em nome dos familiares de Payá, pelo Centro Robert F. Kennedy de Direitos
Humanos em 2013. A CIDH vinha realizando desde então uma extensa análise das
evidências disponíveis, que incluía depoimentos, documentos, vídeos,
fotografias e opiniões de especialistas. A comissão também considerou o
contexto de repressão e assédio contra opositores políticos e defensores dos
direitos humanos em Cuba.
A CIDH apontou que o regime cubano causou o acidente de carro envolvendo os opositores e constatou que há “evidências sérias e suficientes para concluir que agentes estatais participaram da morte do Sr. Payá e do Sr. Cepero”. Além disso, a entidade apontou várias inconsistências e irregularidades na investigação oficial: a falta de uma autópsia nos corpos de Payá e Cepero; a ausência de uma inspeção adequada do local do acidente; a manipulação e destruição de provas; a negação de acesso à informação e participação aos familiares; a coerção e intimidação de testemunhas; a fabricação de depoimentos falsos e a violação dos direitos ao devido processo legal de Carromero.
Segundo o relatório, Ángel Carromero “foi preso de forma ilegal e arbitrária e foi coagido pelas autoridades a admitir sua culpa. Ele ainda sofreu tortura e maus-tratos, como agressões, falta de ar, luz e comida adequada”. Por este motivo, a CIDH concluiu que “o Estado [cubano] violou o direito à integridade pessoal do senhor Carromero”.
Ángel Carromero afirmou que, no dia do acidente, veículos oficiais do Estado cubano seguiam o carro onde ele e os ativistas estavam e que em um determinado trecho da via, o veículo foi atingindo por trás por carros oficiais cubanos. Carromero lembrou que naquele momento as autoridades do regime o detiveram, o drogaram e o ameaçaram, forçando-o a confirmar publicamente a narrativa oficial de que ele “havia perdido o controle do veículo e batido em uma árvore”.
Carromero, que atualmente vive na Espanha,
disse à Agência EFE, via telefone, que seu julgamento em Cuba foi “um teatro” e
que se sente “aliviado” porque, depois de dez anos, “a verdade triunfou sobre
as mentiras” e foi confirmado que houve “dois homicídios” por parte do regime
comunista da ilha.
A CIDH também observou que Payá e Cepero haviam sido alvo de vários outros atos de violência, assédio, ameaças e tentativas de assassinato antes do acidente fatal. O relatório ainda destacou que Payá era um dos líderes mais proeminentes do movimento pacífico de oposição em Cuba e havia recebido reconhecimento internacional por seu trabalho na promoção da democracia e dos direitos humanos no país.
Oswaldo Payá foi o fundador do Movimento Cristão de Libertação (MCL), uma organização política que advogava por mudanças pacíficas em Cuba por meio do diálogo e da participação cívica. Ele também foi o principal promotor do Projeto Varela, uma iniciativa cidadã que coletou mais de 25 mil assinaturas em 2002 para exigir um referendo sobre reformas constitucionais na ilha.
Harold Cepero era um ativista que ingressou no MCL em 2007 e se tornou um de seus coordenadores nacionais. Ele também estava envolvido em outros projetos, como o Projeto Heredia, que visava capacitar jovens cubanos por meio da educação e da cultura.
Reações à conclusão do relatório
O relatório da CIDH foi recebido pela família
de Payá e seus apoiadores como uma vitória histórica pela verdade e pela
justiça. A filha de Payá, Rosa María Payá, fundadora do movimento Cuba Decide,
afirmou que “esta não é apenas uma vitória para as nossas famílias, mas
para todas as vítimas da ditadura e para todos os cubanos que continuam lutando
pela democracia e pela liberdade”.
“A decisão de hoje [segunda-feira, 12]
confirma ao mundo o que sempre soubemos – que meu pai, Oswaldo Payá, e Harold
Cepero foram executados por agentes do Estado por ordem dos Castros. Agora
estamos um passo mais perto da justiça, responsabilizando o regime cubano por
seus atos atrozes”, concluiu.
Rosa María já havia feito um apelo à comunidade internacional em 2021 para apoiar sua demanda pelo fim da impunidade e pela responsabilização dos verdadeiros culpados pelo acidente que tirou a vida de seu pai. Ela pediu, em um apelo ao Comitê de Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos, que os Estados membros da OEA adotassem sanções contra Cuba por suas contínuas violações dos direitos humanos e pressionassem Havana a cumprir suas obrigações perante o direito internacional.
O Centro Robert F. Kennedy de Direitos Humanos também expressou sua satisfação com a divulgação do relatório. “Hoje é um dia extraordinário, que está sendo preparado há mais de dez anos”, disse Kerry Kennedy, presidente da instituição.
“Tem sido uma honra representar as famílias
Payá e Cepero em sua busca por justiça e responsabilidade, e espero
sinceramente que este veredito tão esperado lhes traga algum grau de paz e cura”,
completou.
Membros do Senado dos Estados Unidos também
expressaram seu apoio à decisão da CIDH.
“Graças à decisão de hoje da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o regime cubano foi inequivocamente exposto pelo que realmente é: uma ditadura assassina. Depois de uma década alimentando distorções e mentiras do regime cubano, o mundo finalmente sabe que Oswaldo Payá e Harold Cepero foram assassinados por oficiais do regime por seu trabalho pró-democracia. Cabe aos Estados Unidos e à comunidade internacional se unir em torno da decisão da CIDH e exigir não apenas justiça e responsabilidade pelos assassinatos de Payá e Cepero, mas o fim das atrocidades contra os direitos humanos do povo cubano”, disse o senador do Partido Democrata Robert Menendez.
O senador do Partido Republicano Ted Cruz acrescentou que a conclusão da CIDH destaca “ainda mais a responsabilidade do regime cubano pelas mortes de Oswaldo Payá e Harold Cepero”. “Payá lutou bravamente pela democracia com paixão e dedicação implacáveis e, no final, pagou o preço por enfrentar o regime corrupto de Castro. O comunismo é uma ideologia maligna e essa descoberta é um lembrete de que os crimes dos regimes comunistas nunca serão esquecidos”, acrescentou.
Para o senador democrata Dick Durbin, “finalmente temos um veredicto claro sobre o que se suspeitava o tempo todo”.
“Depois de anos de assédio mesquinho e covarde ao patriota cubano e ativista pela democracia Owaldo Payá, a responsabilidade por sua trágica morte e a de seu colega Harold Cepero é da ditadura cubana”, afirmou Durbin.
“A responsabilidade pela morte de Payá também fala aos muitos cubanos que foram e continuam sendo presos, assediados ou torturados por simplesmente exigirem uma aparência de liberdade política ou econômica. Já passou da hora do governo cubano honrar o sonho de Payá de uma sociedade mais aberta e parar de jogar a culpa sobre o sofrimento humano do povo cubano em qualquer pessoa, exceto em sua própria inépcia cruel, má administração e autoenriquecimento”, concluiu.
Em 2021, o Centro Robert F. Kennedy de Direitos Humanos havia pedido à CIDH que acompanhasse a implementação de suas recomendações para o caso, que incluíam a realização de uma nova investigação completa e imparcial sobre as mortes de Payá e Cepero para poder processar e punir os verdadeiros responsáveis, bem como fazer com que o regime cubano fornecesse reparações adequadas aos familiares das vítimas.
Além disso, entre as recomendações, também estavam a necessidade de fazer com que autoridades cubanas passassem a adotar medidas eficazes para proteger e garantir os direitos de opositores políticos e defensores dos direitos humanos em Cuba; a permissão da participação da sociedade civil na vida política e social do país; e a ratificação e implementação da Convenção Americana de Direitos Humanos e outros instrumentos regionais e internacionais de direitos humanos em Cuba.
Implicações futuras
O relatório da CIDH é um documento que lança luz sobre um dos casos mais controversos e emblemáticos de violações dos direitos humanos em Cuba. Ele também é visto por apoiadores como uma poderosa homenagem ao legado de Payá e Cepero, que dedicaram suas vidas à luta pela liberdade e dignidade de seus conterrâneos cubanos.
Apesar de não ter força legal vinculativa, ele possui um peso moral e político significativo que pode fazer com que o regime de Cuba fique sob mais pressão da comunidade internacional para respeitar e proteger os direitos humanos na ilha, especialmente no momento atual, onde o país enfrenta uma grave crise econômica que está gerando escassez e causando uma grande agitação social e protestos sem precedentes por todo o país.
Além disso, o relatório também pode ter
impacto direto nas relações entre Cuba e a OEA, que têm sido tensas há décadas.
Cuba foi suspensa da OEA em 1962 após a Revolução Cubana, mas foi readmitida em
2009. No entanto, a ilha se recusou a retornar à organização, alegando que ela
é “dominada pelos Estados Unidos” e não representa seus interesses.
O relatório pode servir também de base para uma maior cooperação e apoio aos defensores dos direitos humanos em Cuba, bem como para uma maior fiscalização e responsabilização por violações dos direitos humanos que são frequentemente realizadas pelo regime cubano e denunciadas por pessoas que fogem do país ou por opositores políticos.
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